terça-feira, 6 de julho de 2010

O nome Era

Ja passava da hora. O verbo, do dedo, não saía. Condoia na pele, no traço da boca, no franzir os olhos. Eu não experimentava luz. Seu rosto ardia em minha lembrança. Ardia a sua presença no passado. Aquele seu andar de cisco infantil. A respiração de formiga. Se uma brisa existisse - e eu rezava - se uma brisa existisse provavelmente a partiria no meio apenas com o sopro. De tão leve, seu nome era Pluma.
Seu nome era Sol. Ao meio-dia despertava um sorriso. Jogava a âncora e atracava com pés de astronauta. Aquela sua roupa cintilava toda a tarde de um cinza breve e tão pesado quanto minha consciência. Podia contar nos dedos quantos dias você me visitava. Chegava com seus cabelos soltos, envoltos de qualquer recibo, comprava algum lance de escada e vencia o meu aposento.
Seu nome era Flor. Enraizava seus gestos a minha cama. Nutria-se da minha condição para sugar a seiva daquela tarde. Era um banquete. Verde como seu caule, suas folhas, seus nervos. Tremia a terra num terremoto terrível, qual um carro viajando na face da lua.
Seu nome era Erva. Danava meus pés. Era a brisa - que eu tanto rezava - era a brisa que existia e passava. Como fora crescer assim? Como fora regada e agora apertava meu osso num abraço fatal? Como chamara a noite, o abismo, o pó? A tarde sucumbia aos poucos em seu nome.
Seu nome era Vela. Sua voz era o barco. Você tem vida na água. Mais uma vez você tem ventre de vento. A maré fica alta e quase me afogo nas palavras. Vem formando uma onda no horizonte. Vem a tempestade. Já era tarde. Já era hora. A ventania derrubou o vaso. Fechou a janela, partiu no meio o espelho.
Seu nome era Nome. Você chamava a atenção de minha invalidez. O tempo passara voando para mim e não lhe envelhecera. Continuava criança, espoleta, espingarda. O gatilho para o verbo abandonar meu dedo foi vê-la partir pela última vez. Olhou-me já verstida e limpa. Ajeitou o cabelo, retocou os lábios, pegou-me um copo de água, papel e caneta e deixou sua presilha.
Seu nome Era.

2 comentários:

  1. Pluma, Sol, Flor, Erva, Vela, Nome, Era.

    De alguma forma, o que você escreveu encontra ecos no que escrevi dia desses. Tenho uma personagem cujo nome é Sophia (ou será que ela me tem?) aliás, tinha, porque eu matei o nome dela e questiono muito essa coisa da identidade, do nome.

    Foi o Pitanga que me passou teu blog. E gostei do que li.

    Vim dividir sensibilidade aqui com você :)

    Beijos,

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  2. Acho que sou muito concreto para esse tipo de texto que vejo no blog da Linguaruda e agora vi no seu blog.

    É interessante, porque para mim às vezes consigo interpretar coisas, trago ao mundo concreto, mas logo me frustro ao imaginar que interpretei errado... às vezes fixo os olhos e imagino, mas nada me vem, apenas imagens aleatórias como se fosse um sonho...

    Vou continuar acompanhando! Desejo conhecer mais desse mundo diferente de vcs! Preciso aprender e a me sensibilizar!

    Beijo!

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